quinta-feira, 7 de outubro de 2010

é, eu sinto falta...



[escrito no dia 02 de outubro de 2010]

uma das palavras de que mais gosto da língua portuguesa é ‘saudade’. o fato da sua exclusividade em nosso vocabulário talvez justifique parte do interesse... mas a sonoridade e poesia comportadas nela são os maiores motivos de sua singularidade aos sentidos, despertando a sinestesia deles. não obstante à minha predileção a tal palavra, sempre tive em mim a dúvida entre o quê seria mais forte: sentir saudade ou sentir falta.
hoje, com o Aurélio em mãos, concluo que ‘falta’ é mais forte que qualquer saudade. tal conclusão não se deve apenas ao recurso do significado das palavras, mas ao significado da repercussão delas em mim, à dor aguda que surpreendeu-me nessa manhã e me fez chorar como criança.

'saudade: lembrança melancólica e, ao mesmo tempo, suave, de pessoa(s) ou coisa(s) distante(s) ou extinta(s).

falta: ato ou efeito de faltar, a saber – faltar: sentir ou sofrer privação de (coisa necessária ou com que se contava). ser indispensável (para se completar um número ou um todo). deixar de haver; não existir.'

a melancolia poética contida na ‘saudade’ remete-me à outra palavra, à ‘nostalgia’, aquela lembrança gostosa dos momentos lúdicos ou de situações que gostaríamos de reviver, mas que são possíveis apenas no campo da nossa memória. com ‘saudade’ faz-se poesia, música.

de folga, resolvi hoje dar uma faxina em casa. como toda ‘dona de casa animada’ comecei a cantarolar e de repente peguei-me chorando, de soluçar mesmo. foi aí que prestei atenção à música que cantava “mais perto quero estar meu Deus de Ti...”
muito além da beleza da letra e da melodia, está a emoção a que sou remetida – lembra-me do meu avô. chorei e choro pela falta que ele me faz.

um homem rico em virtudes, que deixou como herança o exemplo imortal de dignidade não só aos filhos, netos e bisnetos, mas a todos que conheceram o privilégio de ouvir suas palavras – as ditas e as vividas. um guerreiro, um pastor, um cavalheiro, um herói da fé. 15 anos foram pouco, eu queria mais. contento-me com a certeza de que Deus é o autor do tempo e que Ele soube medir a suficiência do prazo em que vivi com ele. ouvi muito, vi mais ainda. só hoje, com a maturidade adquirida com a idade e as experiências de vida, sei avaliar a importância das tantas pessoas que o procuravam – eram o resultado de sua vida cativante, de sua sabedoria. meu avô era uma escola de princípios e boas maneiras... envergonho-me ao pensar nas vezes em que transgredi seus ensinamentos. empenhou-se tanto para agradar o coração de Deus que chegou perto da perfeição, e não há quem diga o contrário. uma vida ímpar. uma amostra do amor de Deus para com os seus ao enviar pessoas como ele – que amava fazer o bem, importava-se com a justiça. um homem de família, que iniciou uma nova geração e marcou várias. dias antes de voltar ao Pai, em seu último discurso falado, mostrou o quanto amava os filhos e deixou-nos o alerta: “não deixem o cajado cair”. isso também nos sustenta quando bate aquela vontade de jogar tudo pro alto. segundo o médico, ele morreu orando, conversando com Deus. imagino que a conversa estava tão prazerosa que Deus decidiu levá-lo de volta, pra MAIS perto Dele. meu avô vivia perto de Deus.
saudade eu tenho das conversas no sofá com o livro dos bichinhos, das tantas balas no fim de semana, dos ensinamentos no orquidário, dos almoços de domingo e dos doces que ele fazia nas festas de fim de ano. sinto falta do abraço, do som da voz, do único ‘cheirinho de vô’ que conheci. sinto falta da presença física.

hoje não é nenhuma ‘data especial’. o dia hoje fez-se especial pelas lágrimas derramadas e pelo motivo que as trouxe ao meu rosto. finalmente sei a diferença de ‘sentir saudade’ e ‘sentir falta’... até hoje aprendo com ele. eu conheci a melhor pessoa do mundo.

enfim, acho que ‘sentir falta’ é uma mistura de saudade, nostalgia e dor. o buraco oriundo pela ausência do que nos era indispensável dói mais que a lembrança suave daquilo que se foi.