sábado, 3 de dezembro de 2011

Quatro monstros

Cada novo dia, por maior que tenha sido o Bem feito no dia anterior, quatro monstros da alma nos espreitam e atacam: a onipotência, a malignidade, a depressão e a trivialidade. Cada ser humano normal tem os quatro dentro de si. Ou os descobre e combate, ou um, dois, os três ou os quatro o dominam. Os quatro juntos é raro e patológico. Mas um por dia, pelo menos temos que enfrentar. Enfrentá-los não os elimina. Porém, se não os enfrentarmos, eles nos devorarão.


A onipotência ataca mais na juventude. Ela nos faz supor poderes sempre acima do que temos. Confunde-se com o amor próprio para poder atacar. E o sistema produtor, que sabe disso, excita a onipotência com suas idéias de glória, beleza, força excepcional, sucesso. Basta distrairmo-nos e logo nos sentiremos com uma disposição exagerada, mas que no fundo esconde dependência de aprovação ou aplauso e medo. Só o fraco usa a força. Mas usa. E a supõe permanente.


A malignidade vai da simples fofoca à curiosidade patológica sobre a vida do próximo, atingindo o ápice em mecanismos destinados a prejudicar os demais. Um soltador de vírus na Internet é um maligno, tanto quanto o homem caviloso que engendra formas de destroçar seus concorrentes, adversários ou inimigos. A política nos ensina quanto o dia-a-dia do ser humano está esturricado de malignidade latente ou patente. Ela possui, ainda, formatos suaves que se infiltram no cotidiano. O maligno revela as sementes desse impulso desde criancinha. A história humana está repleta desse monstro.


A depressão é sonsa. Quando aparece explícita, a pessoa já está mal. Sonsa e intermitente. Aparece e some num mesmo dia, disfarça-se de estado depressivo (que não é depressão porém nela se nutre), infiltra-se em nossas irritações, cansaços, misteriosos, tédios - mascara-se com mil disfarces. Isso em tamanho diminuto, quando ela se faz companheira sinistra de nossas fantasias mentais fora de controle racional. Em tamanho grande é lúgubre. Corrói esperanças, destrói carreiras, induz ao alcoolismo ou às drogas, derruba o distinto, baixa as resistências orgânicas. A espécie humana está cheia de depressão.


A trivialidade é a mediocridade. Todos a temos. Esnobes e intelectuais pretensiosos a escondem. São momentos em que não conseguimos ser o melhor de nós, em que o outro nos atrai para seu universo limitado e nos aprisiona por causa de nossa vaidade ou do amor próprio exaltado. A trivialidade é uma das mais precisas definições da condição humana. O ser precisa elevar-se, se deseja sair do charco da trivialidade. Por isso, religiões, terapêuticas, técnicas milenares de ascese do espírito aí estão a atrair as pessoas. A vida humana deve ser um esforço permanente de santidade.


[Artur da Távola, em O Dia, 13/02/2002]