sexta-feira, 9 de novembro de 2012

'um cais de porto'...


                                                   (sugestão: aperte o 'play' e ouça enquanto lê)

quem nunca viveu uma experiência que pareceu estilhaçar o coração e a vida em incontáveis pedacinhos?! e depois disso, teve a nítida impressão de que pra manter-se vivo teria que catar cada um deles, colá-los e sobreviver como um amontoado de restos remendados, vulneráveis a qualquer abalo sísmico do terreno instável que é a vida e a convivência com as pessoas?

assim como vc, eu também me vi dizer sim à essas perguntas. e confesso que durante o período crítico, realmente me vi como uma colcha de retalhos. mas hoje, ouvindo ‘lanterna dos afogados’, dos paralamas, disse a mim mesma: não, eu não sou os cacos que restaram. não sou resto do que já vivi. prefiro pensar que o que sou hoje compõe a melhor parte de mim, a mais forte, a que resiste às variações de humor, de temperatura e de profundidade. e na verdade, não é uma questão de ‘preferir pensar’. é assim.

é como se tudo fosse uma cirurgia para a ressecção (extração) de um tumor. (sim, a analogia é contextualizada à minha nova rotina). o corpo inteiro são, sofrendo por um conjunto de células rebeldes. surge então a necessidade de intervir, deter essa rebelião que causa um risco de morte iminente. corta-se a pele, o tecido em baixo dela, o músculo. não tem como chegar ao cerne do problema se não retalhar as estruturas que o recobrem. retirado o tumor, a cicatriz. o corpo poderá voltar à vida, à saúde. a pior parte foi-se embora, e no lugar dela, uma cicatriz. essa cicatriz existe pra não nos deixar esquecer que o pior foi retirado, que somos a parte saudável. 
é um processo de aperfeiçoamento. porque quem disser que não busca a perfeição estará omitindo a verdade de si mesmo. todos almejamos alcançá-la... senão para os outros, para nós mesmos.

não sei quantas vezes terei que passar por esse tipo de cirurgia. e também não sei quantas cicatrizes serão necessárias para que eu seja melhor, mais sábia, mais ponderada, mais madura... eu sei que doa o que doer, não vou protelar nenhuma delas. porque o que fica é o que há de melhor em mim. e se hoje concluí isso, é porque a dor já passou, e olho pra essa marca agora e vejo que o que a causou não me fazia bem. no escuro eu não conseguiria vê-la. foi preciso esperar o sol chegar. não preciso estar na lanterna dos afogados para constatar que as marcas que tenho compõe o que sou.