quem nunca viveu uma experiência que pareceu estilhaçar o
coração e a vida em incontáveis pedacinhos?! e depois disso, teve a nítida impressão
de que pra manter-se vivo teria que catar cada um deles, colá-los e sobreviver
como um amontoado de restos remendados, vulneráveis a qualquer abalo sísmico do
terreno instável que é a vida e a convivência com as pessoas?
assim como vc, eu também me vi dizer sim à essas perguntas.
e confesso que durante o período crítico, realmente me vi como uma colcha de
retalhos. mas hoje, ouvindo ‘lanterna dos afogados’, dos paralamas, disse a mim
mesma: não, eu não sou os cacos que restaram. não sou resto do que já vivi. prefiro
pensar que o que sou hoje compõe a melhor parte de mim, a mais forte, a que
resiste às variações de humor, de temperatura e de profundidade. e na verdade,
não é uma questão de ‘preferir pensar’. é assim.
é como se tudo fosse uma cirurgia para a ressecção
(extração) de um tumor. (sim, a analogia é contextualizada à minha nova
rotina). o corpo inteiro são, sofrendo por um conjunto de células rebeldes. surge
então a necessidade de intervir, deter essa rebelião que causa um risco de
morte iminente. corta-se a pele, o tecido em baixo dela, o músculo. não tem
como chegar ao cerne do problema se não retalhar as estruturas que o recobrem.
retirado o tumor, a cicatriz. o corpo poderá voltar à vida, à saúde. a pior
parte foi-se embora, e no lugar dela, uma cicatriz. essa cicatriz existe pra não nos deixar esquecer que o pior
foi retirado, que somos a parte saudável.
é um processo de aperfeiçoamento. porque quem disser que não busca a perfeição estará omitindo a verdade de si mesmo. todos almejamos alcançá-la... senão para os outros, para nós mesmos.
é um processo de aperfeiçoamento. porque quem disser que não busca a perfeição estará omitindo a verdade de si mesmo. todos almejamos alcançá-la... senão para os outros, para nós mesmos.
não sei quantas vezes terei que passar por esse tipo de
cirurgia. e também não sei quantas cicatrizes serão necessárias para que eu
seja melhor, mais sábia, mais ponderada, mais madura... eu sei que doa o que
doer, não vou protelar nenhuma delas. porque o que fica é o que há de melhor em
mim. e se hoje concluí isso, é porque a dor já passou, e olho pra essa marca
agora e vejo que o que a causou não me fazia bem. no escuro eu não conseguiria
vê-la. foi preciso esperar o sol chegar. não preciso estar na lanterna dos afogados para constatar
que as marcas que tenho compõe o que sou.